No
dia 15 de maio de 2012, no auditório da administração do Riacho Fundo I, aconteceu
encontro com os professores de língua portuguesa e regentes do 5° ano. Tivemos
oportunidade de ouvir o relato da professora Jane, atualmente coordenadora do
CEM-NB. Ela foi premiada com primeiro lugar no Distrito Federal na categoria
Crônicas e o aluno ficou entre os 25 primeiros colocados na etapa nacional, na
última edição das Olimpíadas da língua Portuguesa no ano de 2010.
Os
participantes se envolveram com a atividade de reestrutura do poema O Buraco do
Tatu, de Sergío Caparelli. Foi possível perceber a riqueza e inúmeras possibilidades
pedagógicas.
Com
o relato da professora Jane, pode-se perceber
que toda a proposta e material da Olimpíada, permite uma articulação com o
currículo, de forma lúdica e com um foco nos Gêneros literários.
Os
educadores se mostraram interessados. Todos foram convidados a se inscreverem
para organizarmos uma formação e acompanhento.
Abaixo,
reproduzimos o relato da professora Jane e a crônica do aluno premiado.
Professora Jane Carrijo |
ESCREVENDO O PRESENTE
(Relato da Prática)
(Relato da Prática)
“... e assim eu quereria a minha ultima crônica,
que fosse pura como este sorriso.” Então, por segundos, houve um profundo
silêncio na sala que rapidamente foi quebrado: “Que texto lindo,
professora...”, “Achei muito triste...”, “Nossa, até me arrepiei...”. Diante de
tantos comentários, percebi alguns olhos timidamente marejados e numa certa
aluna, as lágrimas de fato caíram. Realmente, a audição da “Última crônica” de
Fernando Sabino cumpriu o objetivo e a semente foi lançada rumo à Olimpíada
de Língua Portuguesa.
Naquele instante, me
lembrei de que duas semanas antes me encontrara num dilema: como trabalhar
crônicas com seis turmas que praticamente desconheciam o assunto? O que fazer
para vê-los escrevendo? Como orientar tantos alunos sem deixar os conteúdos
programáticos?
Era a minha estreia no
programa Escrevendo o Futuro e enquanto professora do 1º ano do Ensino
Médio não tinha escolha: ou trabalharia crônicas com todas essas dificuldades
ou não participaria da Olimpíada.
Conversei com minhas
turmas, falei do projeto, da importância de participarmos, incentivei-os a
superar as dificuldades. Não sabia, porém, que após essa conversa todos
resolveriam participar e que o meu trabalho seria dobrado.
Já na oficina inicial,
instiguei-os a ver a vida como cronistas. Perceberiam aquilo que ninguém viu,
falariam das coisas de uma forma que ninguém falou. Sairiam às ruas em busca de
um fato inusitado e único, rotineiro e quase imperceptível. Encontrariam a sua
primeira crônica.
Esperei, ansiosamente, as
novidades que trariam para a sala de aula. No quadro-negro, uma a uma, sobre
cada cena descrita, anotei: o ipê florido da pracinha, a estação de trem
abandonada, os mendigos dormindo na calçada, o silêncio de alguns bairros de
Brasília, um cego tocando pandeiro no ônibus, entre outras. Houve também
aqueles que esqueceram e outros que repetiram as cenas dos colegas. Solicitei a
todos que guardassem consigo esses episódios. Faríamos outras oficinas e depois
de amadurecidos e trabalhados bastariam passar a crônica para o papel.
Enquanto o espírito de
cronista instalava-se no imaginário dos alunos, analisávamos textos de
escritores renomados, como: Carlos Heitor Cony, Mário Prata, Paulo Mendes
Campos, Armando Nogueira. A intimidade com a crônica crescia a cada oficina.
O apoio da coordenação da
escola foi fundamental na organização do trabalho. A seleção dos jornais e
revistas, a ambientalização da sala, todo o material de áudio, vídeo,
fotográfico, foram fatores pré-determinantes na execução das atividades. O Caderno
do Professor me orientava na sequência didática e propiciava a vivência de
uma metodologia que até ali era desconhecida para mim. Esses incentivos foram
fundamentais para eu não desistir no meio do caminho.
Transformar reportagens em
crônicas foi uma tarefa árdua, porém muito proveitosa. Enquanto os grupos liam
os textos criados a partir das notícias, percebi que já identificavam o gênero,
provocavam reflexões, valiam-se do lirismo, do humor, já conseguiam fazer
comparações e até metáforas poéticas. Alheios às manchetes envolvendo política
e corrupção, que colocam Brasília sempre em evidência, naquele momento, os
alunos elegeram uma personalidade do bairro como assunto de quase todas as
produções. Tratava-se de Shaolin, um bêbado assassinado dias antes. As
reflexões feitas em torno da vida e da morte daquele desconhecido permitiram o
aprimoramento dos recursos linguísticos, a determinação do tom, a certeza de
que a crônica nasce de episódios corriqueiros e às vezes banais.
O tempo passava rápido e eu buscava associar
as oficinas ao currículo. O clima quente e seco do início de agosto, no
Distrito Federal, era quase insuportável! Não podíamos perder o ritmo. Durante
algumas aulas, íamos para o pátio da escola e, em círculos, os grupos
apresentavam os trabalhos. Os alunos estavam envolvidos e muitos já eram
capazes de fazer bons textos.
Quase na reta final,
trabalhamos imagens produzidas pelos próprios alunos. Vimos através de
fotografias o olhar de cada um sobre o lugar onde vivem. Cada foto apresentada
serviu de ‘pré-avaliação’ de todo trabalho. Pude perceber a sensibilidade, o
aprimoramento do imaginário, a situação fotografada, enfim, observei se havia
desenvolvido naqueles estudantes o ‘olhar de cronista’.
Era chegado o momento de retomarem aqueles episódios guardados na
memória. Um bimestre havia passado e agora depois de tantas atividades de
produção de textos, definiriam o tom, o elemento surpresa, escolheriam o
desfecho, produziriam a crônica final.
Nesta época, trabalhei
bastante orientando tantos alunos. Revisava cada texto e aqueles que se
enquadravam na categoria, não fugiam ao tema, apresentavam estilo, foram
selecionados e reescritos. Na maioria das produções, aquele ‘olhar de cronista’
estava presente e as peculiaridades percebidas pelos alunos, aliados aos
recursos e convenções da linguagem, transformaram as cenas descritas em textos
carregados de reflexão, lirismo e humor.
Aceitar o desafio de
trabalhar com várias turmas me mostrou que nem sempre os melhores resultados sairão
daqueles alunos em evidência, pois um bom texto, na maioria dos casos, precisa
ser despertado, direcionado e construído.
Compreendi que ensinar
crônicas a jovens é possível, já que o despretenciosismo exigido por esse
gênero é rapidamente captado pelos alunos, que se divertem buscando pequenos
acontecimentos para amarrá-los aos textos. Fazem da escrita um aprendizado
agradável e ao transformarem, no dia-a-dia, ideias em literatura, estão na
realidade ‘escrevendo o presente’.
Profª: Jane dos Santos Carrijo – Brasília (DF)
Beleza Cega
(CRÔNICA PREMIADA ALUNO PEDRO)
Fim
de tarde. Saio da escola, satisfeito por mais um dia de aprendizado. Sigo em
frente, passo por todas as avenidas, atravesso as pistas da BR-060 e me dirijo
à parada para esperar o ônibus que me levará para casa.
Passaram-se alguns minutos, avisto de
longe o número da linha que irei pegar. Dou o sinal com a mão, o ônibus para.
Como de costume, está lotado. Entro, me acomodo entre os passageiros e o
motorista segue viagem.
Muita conversa toma conta do ambiente, porém,
dentre todo esse alvoroço, notava-se um som, que era ao mesmo tempo, conhecido
e estranho, pois naquele ônibus jamais tinha ouvido algo parecido. Procurei
para tentar descobrir de onde vinha esse “barulho”. Olhei para um lado,
olhei para o outro e nada. As pessoas estão tão aglomeradas que é impossível
ver algo.
O ônibus para. Descem dois
passageiros. Mas ainda está muito cheio. Desisto de procurar. Abaixo a cabeça.
Tento cochilar, mas continuo ouvindo todo aquele batuque, algo parecido com um
pandeiro que soava no fundo do ônibus. Então imaginei: será alguma pessoa
ensaiando, naquele espaço, uma apresentação? Será algum show em meio a todos
aqueles rostos cansados? Ou será só alguém brincando com o tal instrumento? A
dúvida prevalecia.
Novamente o ônibus para. Cerca de
quatro a cinco pessoas descem. A parte da frente do carro já não tinha muitos
de pé. Pago a passagem, passo a roleta com a ansiedade de saber quem era o
artista que viajava conosco.
Tento mais uma vez ver quem era,
impossível!
Pela terceira vez o ônibus para. Ponto
movimentado, descem muitas pessoas. As que permanecem, disputam entre si os
lugares vazios. O ônibus anda.
Ouço várias vozes e palmas que acompanham
atentamente a batucada. Parada à vista, sei que mais pessoas irão descer, me
preparo para ir ao “fundão”.
O ônibus para. As pessoas descem.
Enfim, olho para frente e me deparo não só com um cego tocando um pandeiro, mas
com uma pessoa que mesmo sem enxergar, passa toda a sua alegria ao instrumento.
É hora de descer. Estampo um belo sorriso em meu rosto, admirando todo aquele
talento, desço do ônibus com a certeza de que a beleza de Brasília está nas
pessoas que dão vida à nossa cidade.
Aluno: Pedro Kennedy – 1º E CEM 01 NB
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